Enguias expostas à cocaína têm óvulos imaturos e reprodução prejudicada, revela pesquisa

Estudo feito por grupo de pesquisadores brasileiros e italianos, no país europeu, serve de alerta já que, segundo especialista, o peixe é muito parecido com os seres humanos. Outro problema é sobre o risco de extinção da espécie, que está ameaçada. Enguias expostas à cocaína têm óvulos imaturos e reprodução prejudicada, revela pesquisa
Arquivo/Reuters/Kenneth Catania
Um grupo de pesquisadores da Baixada Santista, no litoral de São Paulo, em conjunto com cientistas da Universidade de Nápoles, na Itália, expôs enguias à cocaína e concluiu que os animais apresentaram óvulos imaturos com a substância, o que prejudica a reprodução da espécie que está ameaçada de extinção.
Os vertebrados foram estudados como parte da tese de doutorado da pesquisadora Mayana Karoline Fontes, que diz ter usado 45 enguias — todas compradas de cultivo, portanto, consideradas saudáveis. Outra parte do estudo, analisou a exposição dos mexilhões à droga no litoral paulista e identificou que os moluscos sofreram alterações no DNA.
Segundo Mayana, as enguias foram expostas a uma concentração de 20 ng [nanogramas] de cocaína por litro para avaliar o impacto que a substância causaria no organismo. O estudo foi realizado de janeiro de 2020 a março de 2021 com base na análise histológica, ou seja, microscópica dos tecidos da espécie para detecção de possíveis lesões.
“O funcionamento dos ovários das enguias eram alterados pela presença da cocaína e, com isso, alterava a formação dos gametas, [causando] desregulação endócrina”, disse o coordenador da pesquisa, o professor doutor Camilo Seabra Pereira.
Ele ressaltou que os peixes são muito parecidos com os humanos, embora não saiba quais as consequências que a droga pode causar direta ou indiretamente nas pessoas.
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Pereira explicou que o trabalho possibilitou à aluna realizar o estudo molecular da espécie. Segundo ele, a cocaína agiu como desregulador endócrino tanto na estrutura quanto no ovário desses vertebrados.
Alteração nos ovários
As enguias que foram expostas à droga apresentaram óvulos imaturos em comparação com o grupo de controle — que não sofreu exposição à cocaína. A espécie, segundo a pesquisadora, tem ciclo reprodutivo muito peculiar e nada 6 mil km para se reproduzir.
Após a reprodução, as enguias retornam os 6 mil km que nadaram até a região de origem, onde morrem, explicou a pesquisadora. “Nesse processo todo ela libera óvulos, que são gametas e espermatozóides na água, que são fecundados e os filhotes vão se desenvolver”.
Enguias expostas à cocaína sofreram alteração na forma de nado
Arquivo Pessoal
As enguias também sofreram alteração na diferenciação sexual, pois apresentaram menor quantidade de hormônios como LH [hormônio luteinizante] e FSH [hormônio folículo-estimulante], diretamente relacionados à maturação dos óvulos e produção de estrogênio [hormônio sexual feminino].
“Isso é um problema porque elas têm um ciclo reprodutivo muito bem regulado”, disse Mayana, que pontuou que as enguias estão na lista internacional de animais ameaçados de extinção.
“Foi um resultado muito interessante. Do ponto de vista reprodutivo, a gente não esperava que a cocaína fosse interagir dessa forma”. No entanto, a pesquisadora frisou que os resultados mostraram que a droga interage como ameaçadora da reprodução da espécie.
Mudança no nado
Enguias normalmente nadam bem próximo ao solo, como se estivesse rastejando porque parece uma cobra
Arquivo Pessoal
As enguias também mudaram o padrão de natação, sendo necessário até tampar o aquário para que não pulassem para fora. “A enguia normalmente nada bem próximo ao solo, como se estivesse rastejando porque parece uma cobra”. Com a exposição à droga, passaram nadar de forma vertical.
Para ela, esses dados são importantes para ressaltar que a cocaína e outros contaminantes ilícitos devem ser incluídos em programas de monitoramento para facilitar o entendimento do que as concentrações estão causando nos seres vivos e, consequentemente, no ser humano exposto direta ou indiretamente.
Experiência internacional
Pesquisadores Mayana Fontes (à esq.) e Camilo Seabra (à dir.)
Arquivo Pessoal e Carlos Abelha/g1
Para Mayana, participar de uma pesquisa internacional fortaleceu as redes de colaboração com outros países. “Estabelecer essa rede definitivamente impactou na qualidade da minha pesquisa porque pude ultrapassar o nível de análise de um organismo invertebrado, que é o que eu trabalhava no Brasil, com um organismo vertebrado que está mais próximo do ser humano”, finalizou.
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