Contribuição ao Senar: imunidade de receitas de exportação a caminho do overruling

No último dia 8 de agosto, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção, alterando o entendimento antes consolidado no Carf, decidiu, por 5 a 3, pelo reconhecimento da imunidade à contribuição ao Senar sobre as receitas de exportação da produção rural.

Para concluir pela imunidade, ou não, das receitas de exportação à contribuição ao Senar é necessário definir sua natureza jurídica, já que a Constituição Federal concede imunidade às receitas de exportação sobre as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, deixando de fora as contribuições de interesse de categoria profissional.

O tema há tempos é abordado pelo Carf e, recentemente, apresentou novo desdobramento quando o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a constitucionalidade da incidência do Senar sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural (Tema 801), retomou a discussão sobre a natureza jurídica da contribuição.

A Suprema Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário 816.830 (Tema 801), além de decidir pela constitucionalidade da incidência da contribuição destinada ao Senar sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, nos termos do art. 2º da Lei 8.540/1992, com as alterações posteriores do art. 6º da Lei 9.528/1997 e do art. 3º da Lei 10.256/2001, e não sobre a folha de salários, também se manifestou sobre a natureza jurídica da contribuição.

O interessante, para o tema da extensão da imunidade, é que na ocasião os ministros Dias Toffoli e Edson Fachin declararam que a natureza jurídica da contribuição ao Senar é de contribuição social. Já os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes firmaram suas opiniões no sentido de se tratar de contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica.

O ministro Toffoli, em seu voto, dispõe que a finalidade primordial da contribuição ao Senar não é proteger o interesse da categoria dos empregadores rurais, mas sim conferir recursos especificamente para o ensino profissional e o serviço social direcionados aos trabalhadores rurais. Vale esclarecer, ainda, que a contribuição ao Senar não se classifica como contribuição do interesse de categoria profissional. Os tributos que se enquadram nessa classificação são as contribuições destinadas aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas e as antigas contribuições compulsórias destinadas ao sistema sindical dos empregados”.

As declarações repercutiram no STF. Em abril, o ministro Luiz Fux reconheceu a dissidência jurisprudencial na corte ao analisar os embargos de divergência no Agravo Interno no Recurso Extraordinário 1.363.005, opostos pelo contribuinte, referindo que o julgamento realizado nos autos do Tema 801 declarou ao Senar a natureza de contribuição social geral e, portanto, abrangida pela imunidade, enquanto naqueles autos teria sido consignado o caráter de categoria profissional às contribuições ao Senar[1].

Posteriormente, em nova manifestação da Suprema Corte, em maio, foi publicado acórdão proferido no segundo agravo interno no ARE 1.369.122 (sem repercussão geral), em que o ministro relator Luís Roberto Barroso declara que as receitas decorrentes da exportação não integram a base de cálculo da contribuição ao Senar, sob a justificativa de se enquadrarem em contribuições sociais gerais.

Da leitura da jurisprudência do Carf – anterior a essas declarações do STF –, observa-se que prevalecia o entendimento de incidência pela incidência da contribuição ao Senar sobre as receitas decorrentes da exportação sob o fundamento de tratar-se de contribuição de interesse de categoria profissional. Nesse sentido, menciona o órgão federal que as contribuições destinadas ao Senar classificam-se como contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, o que impõe concluir que a imunidade a que se refere o inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, não lhes alcança”, conforme entendimento exarado no Acórdão 2401-010.241[2].

No caso, é relevante para a construção da norma da imunidade (art. 149, §2º, inc. I da CF) analisar com qual intuito a imunidade das exportações foi prevista? E, ainda, a quem ela deveria afetar?

Destaca-se que a imunidade exige fundamentação jurídica para que a diferenciação por ela criada entre contribuintes ou bens seja válida[3]. No Brasil, considerando a participação mundial na exportação de commodities[4], optou-se por desonerar as exportações e tributar as importações. Assim, a imunidade das receitas de exportação visa, antes de tudo, manter a ordem sistemática, isto é, a coerência do próprio sistema tributário[5].

Revela-se na imunidade das receitas de exportação a acertada definição do critério do destino pelo constituinte, com o qual, busca-se que os produtos exportados sejam tributados somente no país de destino. Por força do princípio do destino, consectário do princípio da igualdade[6], busca-se a tributação de bens e serviços apenas uma única vez no país importador, evitando a exportação de tributos.

Nesse cenário de proteção de determinados valores por meio da limitação do poder de tributar e de harmonização do sistema tributário constitucional, é que a Constituição Federal determinou no artigo 149, § 2º, inciso I, que as contribuições sociais e as de intervenção de domínio econômico não incidiriam sobre as receitas de exportação.

Fato é que a imunidade prevista no artigo acima mencionado possui fundamento e coerência com o sistema tributário constitucional. Em outras palavras, as contribuições sociais e de intervenção econômica não devem incidir sobre as receitas de exportação, pois violariam diretamente o princípio do destino escolhido pelo legislador constituinte. Vale dizer, a opção de desonerar as exportações, permitindo que o país de destino as tribute, não aceita uma aplicação parcial, do contrário, a busca pela competitividade do produto interno em relação ao importado seria ineficaz.

Como dito, para concluir pela incidência da contribuição destinada ao Senar sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural (Tema 801) o Supremo escolheu analisar a natureza jurídica da contribuição e declará-la como contribuição social geral, tornando-a integrante da imunidade prevista no art. 149, §2º, inc. I da CF/88. E, ao que tudo indica, o Carf, por maioria, parece ter reaberto essa importante discussão da imunidade das receitas de exportação à contribuição ao Senar, aplicando a declaração do STF e o critério de destino estabelecido pela Constituição.

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BEVILACQUA, Lucas. Desoneração da tributação indireta na cadeia produtiva exportadora. 2017. 292f. Tese (Doutorado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 449233. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 1ª Turma, j. 08 de fevereiro de 2011. d. 09 de março de 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 611601. Rel. Min. Dias Toffoli. Pleno, j. 17 de dezembro de 2022. d. 20 de abril de 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4735. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Pleno, j. 12 de fevereiro de 2020. d. 24 de março de 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 759244, Rel. Edson Fachin, Pleno, j. 12 de fevereiro de 2020, d. 24 de março de 2020.

CARF, Ac. n. 1402-002.347, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Rel. Cons. Lucas Bevilacqua Cabianca Vieira, j. 06 de outubro de 2016.

CARF, Ac. n. 2401-010.241, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Rel. Cons. Matheus Soares Leite, j. 15 de setembro de 2022.

CARF, Ac. n. 2201-010.532, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Rel. Cons. Douglas Kakazu Kushiyama, j. 06 de abril de 2023.

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[1] Neste ponto, interessante observar que a decisão do Tema 801 permanece pendente de julgamento de embargos versando justamente sobre se os trechos sobre a natureza jurídica das contribuições ao SENAR, proferidas nos votos do Ministro Fachin e Toffoli, fazem parte ou não da ratio decidendi.

[2] Acórdão nº 2401-010.241, Relator Conselheiro Matheus Soares Leite, sessão de 15/09/2022. Em sentido similar, o acórdão nº 2201-010.532, o Relator Conselheiro Douglas Kakazu Kushiyama, sessão de 06/04/2023. A Segunda Turma da Câmara Superior também adotou esse entendimento, conforme Acórdão n. 9202-006.510, de relatoria da Conselheira Ana Cecilia Lustosa da Cruz, sessão de 26/02/2018.

[3] Id., Notas acerca da Imunidade Tributária: Limites a uma Limitação do Poder Tributar. In: Marcelo Magalhães Peixoto; Edison Carlos Fernandes. (Org.). Tributação, Justiça e Liberdade. Curitiba: Juruá, 2005, v. 1, p. 393., 2005.

[4] Disponível em: . Acesso em 17/07/2023.

[5] Id., Direito Tributário. 9 ed. São Paulo. Saraiva Educação, 2019, pg. 434 – 437.

[6] SILVEIRA, Rodrigo Maito. Tributação e concorrência. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2011, p. 73-74/362 ss. (Série Doutrina Tributária, v.3).

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