Carol Castro lembra de perda de memória após acidente na vida real; entenda a condição vivida por Clarice, em ‘Garota do Momento’


Esquecer todo o passado é raro; especialistas explicam os fatores que influenciam a perda de memória. Carol Castro já teve uma perda de memória na vida real, após uma queda de bicicleta, aos 16 anos, em 2000
reprodução redes sociais
🧠 ❓ É possível perder todas as memórias após um acidente e nunca mais recuperá-las, como acontece com Clarice (Carol Castro) na novela Garota do Momento?
E essa amnésia pode, de repente, desaparecer, permitindo que memórias antigas voltem à tona mesmo após décadas? Quem acompanha a trama da novela das seis já deve ter se questionado sobre isso. O g1 conversou com especialistas e com a própria Carol Castro, que já teve uma perda de memória na vida real, após uma queda de bicicleta.
📋 📺 SE VOCÊ NÃO CONHECE A TRAMA: Clarice sofre um atropelamento, bate a cabeça e se esquece do passado. Seu noivo, Juliano (Fábio Assunção), decide dopá-la para que ela siga sem recuperar a memória. Sempre que Clarice se esforça para lembrar do passado, sente muita dor de cabeça. Dezesseis anos depois, Beatriz (Duda Santos) afirma ser filha biológica de Clarice, abandonada após o acidente. Clarice interrompe os remédios e para de tentar recuperar a memória. Com o tempo, flashes do passado começam a surgir.. Entenda mais da trama)
A personagem Clarice, interpretada por Carol Castro, de ‘Garota do Momento’ perde a memória após atropelamento
Globo/ Léo Rosario
Embora rara, a perda de memória permanente pode ocorrer após traumas graves na cabeça, explica o neurocirurgião Sérgio Tadeu, da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.
“A literatura médica documenta casos de amnésia retrograda densa, onde indivíduos perdem a memória de eventos autobiográficos e fatos públicos de toda a vida, mas mantêm a capacidade de aprender novas informações. A amnésia completa de toda a vida, incluindo a infância, após um acidente de trânsito, é uma condição extrema e não representa a experiência típica de pacientes com trauma craniano”, descreve o médico.
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é uma causa conhecida de comprometimento cognitivo e perda de memória. Já o comprometimento cognitivo precoce (CCP) é comum após lesões cerebrais traumáticas leves com hemorragia intracraniana.
A perda de memória também pode ocorrer após um acidente vascular cerebral (AVC), uma infecção do sistema nervoso central ou anoxia cerebral (falta de oxigênio no cérebro).
O que diz a ciência?
📌 Mais da metade dos pacientes com trauma leve tem impacto cognitivo (estudo de 2020 da Universidade da Califórnia)
📌 1 em cada 3 apresenta déficits mesmo após o acidente (estudo de 2024 da Universidade da Califórnia)
📌 27% ainda têm sequelas cognitivas após 30 dias (estudo de 2024 da Universidade da Califórnia)
A gravidade da perda de memória após um trauma cerebral varia conforme a extensão da lesão, idade do paciente e nível de escolaridade. Pessoas com maior reserva cognitiva tendem a recuperar melhor as funções afetadas, explica a neurologista Sônia Brucki, coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Sonia Brucki.
🧠 O QUE É RESERVA COGNITIVA? A reserva cognitiva é a capacidade do cérebro de se adaptar e encontrar novas formas de realizar tarefas, compensando danos causados por lesões ou doenças.Ela pode ser construída durante toda a vida através da escolaridade, atividades intelectuais, tarefas que demandam atividade cerebral e raciocínio.
Carol Castro e a experiência real com a perda de memória
A própria atriz Carol Castro já viveu na pele uma perda de memória momentânea, após uma queda de bicicleta, aos 16 anos, no ano de 2000, no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao g1, ela conta que bateu com a cabeça no asfalto e não se lembrava onde morava e onde estava.
Por sorte, ela tinha um celular na pochete e o número de casa salvo. Ela ligou e perguntou para a mãe onde morava. A mãe de Carol pediu para ela ler as placas dos nomes das ruas da esquina onde estava. A atriz estava ao lado da faculdade onde estudava e não lembrava de nada.
“Na hora da pancada da cabeça no asfalto, eu de fato vi tudo branco, muitas estrelinhas, ouvi as vozes das pessoas que tentaram me socorrer. Tudo em câmera lenta e eu repeti meu nome todo. Acho que foi um mecanismo de defesa do meu corpo para não esquecer quem eu era. Eu esqueci como atravessei as duas pistas da Lagoa Rodrigo de Feitas, às 22h”.
Carol foi para o hospital, fez exames e ficou em observação na UTI. Ela ficou com uma cicatriz no ombro e quase precisou fazer um enxerto. A atriz precisou tomar injeções de corticoide local e usar muito filtro solar, pomadas e curativos.
Quanto tempo leva para recuperar a memória
A maioria dos pacientes com traumatismo cranioencefálico leve tende a recuperar suas funções cognitivas, incluindo a memória, dentro de um período de 3 a 12 meses.
Para casos mais graves, o tempo de recuperação pode ser mais prolongado. Além disso, fatores como a presença de condições de saúde pré-existentes e comorbidades podem complicar a recuperação.
Brucki conta que os casos de perda de memória pós-trauma são muito heterogêneos, mas esquecer de todo o passado é algo que “ocorre mais na televisão e no cinema”.
Além disso, passar a ter flashes de memória 16 anos após o trauma é possível, mas muito improvável, principalmente se for uma memória completa e “perfeita”.
“A recuperação perfeita da memória (muitos anos após o acidente) é quase impossível. Isso porque você perde conexões entre as diferentes áreas cerebrais e tem ainda a área de lesão”, explica.
A porcentagem de indivíduos que permanecem com sequelas ligadas a memória varia muito de acordo com o tipo de dano, da extensão da área da lesão, da gravidade do traumatismo e do tempo pós-traumatismo cranioencefálico. Isso porque, após um ano do traumatismo cranioencefálico, ocorre uma estabilidade dos prejuízos cognitivos. As lesões temporais e frontais são as que mais levam a perda de memória.
Entenda como é formada a estrutura cerebral
arte g1
A amnésia pós-traumatismo cranioencefálico pode ser:
Amnésia anterógrada: afeta a habilidade de formar novas informações, tornando difícil a pessoa aprender coisas novas ou lembrar de eventos recentes. O paciente se lembra do passado anterior à lesão.
Amnésia retrógrada: impacta na recuperação de memórias formadas antes do TCE. A extensão dessa perda pode variar de dias, semanas ou anos. O paciente se recorda dos fatos após a lesão, formando novas lembranças.
“Existe um gradiente temporal em que as memórias mais recentes são mais afetadas do que as mais antigas, que já estão mais consolidadas. Essa amnésia pode afetar memória autobiográfica, por exemplo. A pessoa não lembra de eventos dentro de um período de dois anos prévios ao acidente. Existe um período ao redor do traumatismo cranioencefálico em que a pessoa também pode não lembrar do ocorrido”, explica Brucki.
Além da memória, é comum que pessoas com TCE tenham alterações de atenção e de memória de trabalho, que são fundamentais para manter a informação necessária para uma resposta e manipular essas informações.
A memória de trabalho é aquela que armazena e gerencia temporariamente informações necessárias para tarefas imediatas.
O TCE pode levar também ao prejuízo na capacidade da memória prospectiva, que é aquela em que você se programa para realizar determinada tarefa no futuro, como passar na padaria antes de ir para casa, por exemplo.
Para ocorrer a perda de memória após trauma físico, não é preciso haver algum tipo de coma. Mesmo TCEs leves podem levar a prejuízos de atenção e aprendizado de novas informações.
Brucki explica que também existe a amnésia dissociativa – um quadro psiquiátrico em que a pessoa não se recorda de eventos importantes autobiográficos ou não sabe quem é, e não lembra o próprio nome, por exemplo. Em geral afeta a memória retrógrada e autobiográfica, variando desde episódios focais até a perda global da memória.
Medicamentos afetam a recuperação da memória?
Medicações anticolinérgicas – que bloqueiam a ação da acetilcolina, um neurotransmissor importante para a comunicação entre células nervosas e outras células do corpo – afetam a formação de memórias, mas é muito improvável elas que impeçam totalmente a recuperação da memória após um acidente.
A recuperação da memória após a interrupção de um medicamento pode não ser diretamente atribuível à retirada do medicamento, mas sim a outros fatores, como a neuroplasticidade e a reabilitação contínua, segundo Tadeu.
Além disso, a recuperação funcional após lesões cerebrais traumáticas pode continuar por muitos anos, dependendo de intervenções de reabilitação e outros fatores.
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