
Segundo a SSP, foram 26 vítimas por intervenção policial em 2024, alta de 85,7% em relação a 2023. Para o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em Segurança Pública e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o corporativismo das polícias civil e militar resulta na falta de informações em casos como o de Pedro Henrique morto em 2024. Viaturas da Polícia Militar de São Paulo
Divulgação/PM
“Para quem perdeu [um familiar], a vida nunca mais vai ser a mesma”. Este é o sentimento que Ketllin Suzan Aguiar Silva, moradora de Mogi das Cruzes, carrega no peito há pouco mais de nove meses.
Em 16 junho de 2024, ela foi surpreendida com a notícia da morte do filho, Pedro Henrique Justino dos Santos, de 16 anos, que, segundo a polícia, foi baleado com 11 tiros após reagir a uma abordagem policial no bairro Vila Industrial.
Pedro foi uma das 26 vítimas de casos de intervenção policial no Alto Tietê em 2024, segundo dados divulgados pela Secretaria do Estado da Segurança Pública (SSP). Na comparação com 2023, o número de ocorrências desta natureza teve alta de 85,7%.
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Além disso, Pedro também se enquadra no perfil de vítima de intervenção policial na região no ano passado: homens negros com menos de 20 anos.
Jovem foi baleado pela PM durante abordagem em rua da Vila Industrial em Mogi das Cruzes
Arquivo Pessoal
De acordo com Ketllin, a falta de esclarecimentos sobre a morte do filho agrava ainda mais a dor.
“O questionamento é de que ‘será que a justiça vai ser feita?’. O porquê de tanta maldade. Será que foi dessa maneira mesmo? Pessoas que tiveram treinamento fazendo atrocidades. Quantos não são mortos, são forjados?”, desabafa.
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Em busca de Justiça
O advogado Agnaldo Alves de Siqueira também passou pela mesma dor que Ketllin, mas com um desfecho diferente.
Em 2022, Matheus Nunes Siqueira, filho de Agnaldo, também jovem negro com menos de 20 anos, foi morto depois de ser baleado na cabeça por um policial à paisana em um posto de combustíveis em Santa Isabel.
Corpo do jovem foi sepultado na manhã desta quinta-feira (21), em Santa Isabel
Reprodução/TV Diário
No entanto, imagens de câmeras de monitoramento registraram o crime e foram fundamentais para Agnaldo buscar justiça. Segundo ele, Tiago Cavalcante de Melo, acusado pela morte de Matheus, foi pronunciado a júri popular.
“No caso do meu filho, Matheus, lá tinha muitas câmeras. E somado a isso, os policiais estavam de folga, estavam usando distintivos, se passando por policiais civis. E a Corregedoria da Polícia Militar esteve no local no dia [do crime]. Aí colheu bastante provas e confrontou com os depoimentos prestados em delegacia dos policiais, confrontou com as imagens e as testemunhas e houve muita contradição. Aí foi fácil esse caso aí, resolver. Mas eu sei que 99% não funciona assim.
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Buscas por explicações
Ketllin conta que a vulnerabilidade após a perda de Pedro foi um obstáculo encontrado para ir atrás de explicações sobre o que levou à morte do filho.
“Do jeito que eu estava fragilizada, eu não estava com a cabeça pra mexer nessas coisas. Agora que eu voltei a mexer no caso, procurar as pessoas. E sem comunicação nenhuma da justiça, nem da polícia. Pelo tempo que deram, já fizeram a perícia que precisava, mas ninguém deu nada, ninguém falou nada”.
Na avaliação do advogado Ariel de Castro Alves, especialista em Segurança Pública e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o corporativismo das polícias civil e militar é um fator determinante para a falta de informações em casos de mortes decorrentes de intervenção policial.
“Já que os próprios colegas dos policiais envolvidos acabam realizando as investigações, nas corregedorias e na Polícia Civil, as apurações muitas vezes visam acobertar os crimes dos colegas policiais. Então, são investigações marcadas por morosidade e muitas falhas. E o Ministério Público, que deveria atuar no controle externo das atividades policiais, fiscalizando as investigações, acaba pouco atuando e sempre concedendo prazos intermináveis para os inquéritos, que pela lei deveriam durar 30 dias. Então, existe toda uma máquina do Estado, usada burocraticamente, visando proteger os maus policiais”.
Projétil de bala após tiroteio em Bela Vista
Reprodução/ TV Gazeta
Ainda segundo Alves, as famílias das vítimas ficam desemparadas em casos que envolvem letalidade policial. Além disso, o advogado afirma que as corregedorias, delegacias e promotorias acabam também esperando que os casos saiam da imprensa, para arquivá-los, o que contribui para a impunidade.
“Na minha experiência, há 30 anos acompanhando casos de violência policial, a impunidade atinge 90% dos casos. E essa impunidade alimenta novos casos, já que os maus policiais possuem não apenas a sensação de impunidade, mas a certeza da impunidade”.
Para Ketllin, a falta de explicações sobre as investigações dos casos e dos processos e ausência de apoio e assistência do Estado causa a sensação de injustiça.
“Não é só a perda, mas ficamos com o sentimento de que a justiça não serve para todos, que só se vai adiante aqueles que têm dinheiro ou influência. Mas tenho fé que a justiça de Deus não falha”, finaliza.
O que diz a SSP e o TJSP
O g1 questionou a SSP sobre medidas que foram tomadas pela PM no caso envolvendo a morte de Pedro, se houve investigação por parte da Corregedoria da PM e se os policiais envolvidos seguem no quadro da instituição. Em nota, a pasta informou que o caso citado é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Mogi das Cruzes.
A SSP ainda disse que as equipes da unidade realizam diligências visando ao esclarecimento dos fatos. Paralelamente, o caso foi apurado por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM), sendo relatado em agosto de 2024 e encaminhado ao Tribunal de Justiça Militar (TJM). Até o momento, ainda de acordo com a pasta, os policiais militares não foram citados nos autos e permanecem exercendo suas funções.
Em relação à morte de Matheus Nunes Siqueira, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) informou que o processo que acusa o policial militar Tiago Cavalcante de Melo, acusado de balear e matar o jovem, tramita sob segredo de justiça, portanto não há informações disponíveis.
Já a Secretaria do Estado da Segurança Pública (SSP) disse que a Polícia Militar informou que Tiago responde a um processo administrativo disciplinar (PAD) e permanece desempenhando funções administrativas na 3ª Companhia (CIA) do 38º Batalhão da Polícia Militar (BPM/M). Já Paulo dos Santos foi reformado em março de 2022 e não integra mais o quadro da instituição.
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