O juiz de garantias e sua função garantidora de direitos fundamentais

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Nos últimos anos, o sistema de justiça brasileiro tem passado por importantes reformas com o objetivo de aprimorar a imparcialidade e a eficiência dos processos judiciais. Uma dessas mudanças foi trazida com a Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, e consiste na criação do juiz de garantias, que nada mais é do que um instituto jurídico que busca fortalecer a proteção dos direitos fundamentais e garantir um julgamento mais equânime. 

O juiz de garantias é visto como um mecanismo de controle, garantindo que todas as partes tenham seus direitos respeitados durante a investigação. Através desse modelo, ocorre a divisão de atribuições entre dois juízes: um responsável pela fase de investigação e outro pela fase de julgamento. Tem-se um juiz imparcial, que atua exclusivamente na fase pré-processual, com a finalidade de garantir a imparcialidade da justiça e evitar a influência do titular da ação no curso das investigações criminais.  

Após a aprovação do instituto pelo Congresso Nacional, diversos questionamentos foram suscitados, principalmente acerca da sua constitucionalidade gerando a apresentação de ADIs perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

Um dos principais argumentos contrários ao juiz de garantias é a sua incompatibilidade com o sistema processual brasileiro. Isso porque, como sustentam alguns, a Constituição Federal prevê que a jurisdição seja única e exercida por um único juiz, desde a fase investigatória até a fase de execução da pena.  

Contudo, esse argumento é falacioso, pois, ao contrário disso, o instituto do juiz de garantias não confronta o sistema processual brasileiro, mas sim o complementa e o qualifica. Com a sua instauração, tem-se a garantia de independência e imparcialidade da justiça, promotora da persecução criminal e julgadora, evitando que os magistrados que irão analisar a ação penal tenham contato com as provas produzidas na fase pré-processual, dificultando possíveis influências externas. Além disso, o mecanismo evita o acúmulo excessivo de processos em um único juiz e contribui para a efetivação dos direitos fundamentais dos envolvidos no processo.  

A análise constitucional do instituto se mostra inteiramente harmoniosa com o princípio da República brasileira de prevalência dos direitos humanos (CR 4º II), inclusive nas suas relações internacionais, tanto que integra o sistema de proteção de direitos humanos da OEA e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. É o juiz de garantias que o concretiza porque uma de suas funções é justamente controlar o poder investigativo do Estado para evitar-se violações aos direitos humanos. A matriz legislativa é a Convenção Americana de Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica.  

Além do princípio de respeito aos direitos humanos, a instituição do juiz de garantias é desdobramento do princípio do devido processo legal (CR 5º LIV). Hodiernamente, a expressão “devido” tem assumido, cada vez mais, na doutrina processual penal, o sentido de um julgamento justo, que, por sua vez, pressupõe um juiz imparcial. Por isso, é plenamente consentâneo com a noção de imparcialidade, contida no princípio do devido processo legal, o impedimento do juiz que atuou na fase prévia para participar da fase de conhecimento.  

Por fim, o instituto reforça o princípio da ampla defesa. Como Luís Gustavo Grandinetti, só há ampla defesa se o espaço do julgamento for original, isto é, inteiramente livre de prejuízos adquiridos na etapa da investigação. É imperioso que a audiência de julgamento deva ser realizada por juízes que não tenham tido contato com a causa, preservando-se a originalidade de suas convicções.  

Ainda, é importante destacar que a instauração do juiz de garantias não trará maiores impactos financeiros ao sistema de justiça, uma vez que não será necessário criar cargos ou contratar novos magistrados, sendo que o juiz responsável poderá ser designado aleatoriamente na própria comarca ou região onde houver a necessidade de instaurar o juízo.  

Nos próximos dias será julgada a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6.298) que discute a constitucionalidade do instituto do juiz de garantias, e que a Anadep atua como amicus curie. A Anadep acredita que a discussão de constitucionalidade deverá ser superada, uma vez que, como já afirmado, se trata de uma garantia fundamental prevista em diversos tratados internacionais e também na Constituição Federal.  

É inegável que a implementação desse instituto representa um avanço no sentido de fortalecer a imparcialidade e a eficiência do sistema judicial. A separação das funções de investigação e julgamento busca assegurar um processo mais justo e transparente, resguardando os direitos das partes envolvidas.  

É fundamental que a sociedade e os operadores do Direito acompanhem atentamente os desdobramentos do julgamento e, com isso, contribuir para a consolidação do Estado democrático de Direito. 

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