PL das Fake News: a Anatel deve ser o órgão responsável por regular conteúdo?

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Solução bem recebida por parte significativa dos parlamentares, a possibilidade de a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) regular conteúdo de fake news no Brasil levanta discussões entre especialistas no tema. Há quem opine que a ideia é péssima e quem considere que é a opção mais coerente. A Anatel tem trabalhado junto ao Congresso para se colocar como a melhor solução de órgão regulador, já fontes envolvidas na discussão ouvidas pelo JOTA avaliam que é preciso ponderar qual a melhor estratégia legislativa para decidir se o caminho para fazer essa decisão é ou não via PL 2630/20 (PL das Fake News). 

Se houver impasse no avanço das tratativas, que de forma geral esfriaram nas últimas semanas, esses interlocutores avaliam ser possível fazer um acordo com o governo para a edição de uma medida provisória. O próprio Palácio do Planalto, que tentou emplacar a ideia de criação de uma nova autoridade regulatória, se vê mais convencido de que o debate, hoje, está interditado.

Uma parte considerável de especialistas que estudam o tema das fake news avalia que é imprescindível ter um órgão regulador especializado em conteúdo, independente e livre de interferência política, para se ter uma boa aplicação da lei.

Na avaliação do diretor-executivo do Instituto Vero, Caio Machado, é preciso observar a neutralidade de rede e ter cuidado para não misturar competências de governanças que são diferentes. O argumento é de que a Anatel trabalha em um nível de telecomunicação, ou seja, mexe com aspectos de infraestrutura. Já o Comitê Gestor da Internet (CGI) se responsabiliza por uma camada lógica formada por protocolos como o IP, que é o principal dispositivo de comunicação na internet por endereçar tudo que trafega pela rede mundial de computadores. Nenhum, portanto, lida com conteúdo de fato.

“Havendo necessidade, a Anatel é uma péssima opção. É um tiro no pé. A Anatel já não está cumprindo a sua finalidade em um setor que lhe compete. A agência também tem problemas de desenho por ser politicamente capturada e influenciada por grupos de interesse, ela não contempla um espaço de discussão da sociedade civil. Isso é algo que o CGI já tem”, explica. 

O coordenador do curso de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital, Marcelo Crespo, avalia que a discussão passa em primeiro lugar por analisar se realmente é necessário se ter uma agência ou autoridade para fazer esse tipo de regulação em termos administrativos e por fazer uma mudança no regime jurídico das plataformas porque o modelo atual não está sendo suficiente com relação à desinformação. No entendimento dele, as próprias big techs poderiam assumir o papel de melhorar esse fluxo de análise e condutas objetivas, associado ao fortalecimento de uma rede de investigação policial e do Ministério Público. 

“Fake news é um esquema criminoso e precisamos utilizar técnicas de combate ao crime organizado. No final das contas, fake news dá dinheiro porque movimenta grande parte dos usuários da rede a comentar, falar, repostar. Toda a vez que você tem um conteúdo que ganha bastante destaque, ele tem muita chance de ser remunerado pelos ads [anúncios]. Não quero que seja criminalizada a opinião. Mas eu não posso ter uma opinião, por exemplo, de que os negros devem ser escravizados porque há um limite da lei. Me refiro à opinião do gosto mesmo. Isso não pode ser criminalizado. Para todas as outras coisas que podem, eu preciso ter uma polícia forte, que tenha condições de investigar, preciso ter um Ministério Público ativo, um judiciário capacitado, preciso ter até uma Anatel observando se os provedores de internet estão cumprindo os requisitos. Dificilmente, a Anatel, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ou o CGI teriam condições de fazer um papel de órgão fiscalizador de Fake News porque a chance é muito maior deles se tornarem censores do que conseguir efetivamente resolver”, explica.

Os que defendem o papel da Anatel costumam argumentar que o órgão seria a melhor solução orçamentária porque se evitaria custos com a criação de um novo órgão e que é possível fazer um aproveitamento da estrutura operacional já existente. Outro paralelo feito é com o modelo que já é adotado em alguns países europeus, como a Alemanha. Por lá, o que se desenha é que a Agência Federal de Redes (Bundesnetzagentur) seja a agência reguladora de serviços digitais.

A Anatel também tem atuado para convencer o Legislativo de que tem quadros experientes em temas como engenharia, regulação, economia, proteção do consumidor e proteção de dados e de que tem uma cultura institucional que pode ser positiva para a regulação de conteúdos.

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