Márcia Pontes: como envolver a população para o trânsito seguro?

Todos os dias pessoas choram as consequências de um acidente de trânsito e não ficamos sabendo. O que sabemos é sobre os acidentes mais graves ou os que resultam em mortes logo esquecidas, e mesmo que nos lembremos delas daqui a algum tempo, não terão a mesma comoção do momento a não ser para as famílias.

O fato é que todo sobrevivente de um acidente de trânsito repete a mesma coisa: “foi rápido demais”, “não vi”, “não sei dizer como aconteceu”. Porque em nenhum momento se considerou a possibilidade de algo dar errado, da nossa parte e da parte do outro. Se as pessoas soubessem a quantidade de motoristas recém-habilitados que ainda deixam o carro morrer e voltar na ladeira não colariam tanto na traseira do carro ou moto à sua frente. 

Mas, o que será que está acontecendo? Porque não conseguimos evitar o acidente e as suas consequências? Resposta: faltam condutas preventivas no trânsito. Não falo de práticas, porque na teoria todo mundo sabe o que fazer e pratica o que sabe, muitas vezes, do modo errado. Conduta é diferente: é aquilo que orienta as práticas seguras no trânsito. É antecipar-se aos riscos da via, é saber o poder que tem o olhar além, buscar um ponto de fuga antes mesmo de precisar dele e não ficar mirando no obstáculo à sua frente como se tivesse o poder de controlá-lo.

E o principal: considerar que nem todo motorista é experiente, tem anos de CNH ou que obrigatoriamente saberá o que fazer. E assim, todos os dias as pessoas se colocam nas mãos dos outros no trânsito, acreditando que cabe à eles a responsabilidade de evitar a colisão.

Virou clichê dizer que os acidentes são fatalidades ou “acontecem” do nada quando, na verdade, são provocados. O que acontece é aquilo que você não controla (um pombo acertar lá do alto a sua cabeça), e por mais que no trânsito não possamos controlar as ações do outro, podemos identificar algo de errado quando estamos atentos e agirmos preventivamente. 

Está faltando autocuidados, prevenção e ações contextualizadas para orientar as pessoas nesse sentido. Enquanto se pensar que serão as instituições que evitarão os acidentes não teremos responsividade.

Nos cruzamentos, o mais comum tem sido a pressa: olhar superficialmente, não calcular a distância, a velocidade do outro veículo, embicar demais, estar distraído, achar que vai dar ou colocar nas mãos e nos pés do outro condutor a responsabilidade de evitar a batida. Não funciona. Perguntem aos agentes de trânsito quantos acidentes eles atendem por dia!

Quando somos ciclistas, muitas vezes pedalamos na contramão, em outras, parecemos invisíveis pelos condutores dos motorizados porque não se vê o que não se preocupa em identificar no trânsito. O resultado são sequelas graves para o resto da vida. 

Nos atropelamentos, qual foi a causa? A distração do motorista que continuou acelerando mesmo próximo à faixa de pedestres? O pedestre que se jogou na frente do veículo, que atravessou olhando só para um lado, que não calculou a distância e a velocidade do motorizado? Uma moto que seguiu pelo corredor? O fato de ninguém ter buscado o olhar do outro para fazer valer a regra de ouro do “ver e ser visto”?

E nos atropelamentos em faixa exclusiva de ônibus? O que houve? Será que é sempre o pedestre que se atira feito doido para não perder o compromisso? Será que os motoristas estão considerando a possibilidade de um pedestre fazer besteira?  

“O sinal ficou vermelho de repente e se eu freasse ia machucar os passageiros” pode parecer uma desculpa aceitável, mas cabe à todo condutor diminuir a velocidade ao se aproximar dos semáforos, principalmente quando todas as luzes verdes estão diminuindo e avisando que ficará amarelo para, em poucos segundos, ficar vermelha. 

Dar breves toques no freio antes de começar a frear para alertar o condutor de trás também funciona que é uma beleza quando nós que estamos à frente (e que ditamos o ritmo dos que estão atrás) não estamos desatentos ou acelerando progressivamente. 

E os motociclistas? Porque se acidentam e morrem tanto sobre duas rodas?  Será que, assim como ocorre com os veículos, andar muito colado do veículo à sua frente, fazer manobras arriscadas, abusar da velocidade e a pressa nos cruzamentos têm sido mesmo as principais causas?

Fala-se muito em acidentes por excesso de velocidade como se os veículos nunca fossem trafegar devagar e utilizar a velocidade baixa de forma errada. E olha quantos acidentes terminam em óbitos mesmo em baixa velocidade, sobretudo com idosos! 

Pensamento comum de todo condutor recém-habilitado: tenho que acelerar senão atrapalho o motorista de trás e ele buzina. Erros mais comuns nessa fase: não saber usar o freio; não frear no limite sem parar o carro, só para ele ir se aproximando bem devagarinho do veículo à sua frente; chegar com velocidade inadequada e aproximar-se demais do veículo à sua frente freando em seco. 

Entre os motoristas veteranos, os experientes, as mesmas falhas dos recém-habilitados se repetem por excesso de confiança e em tudo está a falta de condutas preventivas no trânsito. 

Entre os motociclistas, não saber frear a moto, frear bruscamente, fixar no veículo da frente e não olhar além buscando um ponto de fuga tem sido a causa de muitos acidentes. Seja de carro, de moto ou de bicicleta o excesso de velocidade (ultrapassar os limites da via) e a velocidade excessiva (mesmo abaixo do limite da via, usar velocidade inadequada para a situação) dificulta a frenagem de emergência, o que pode ser decisivo e fazer a diferença entre a vida e a morte. 

Existe diferença entre chamar a atenção do motorista com ações pontuais no trânsito como se costuma fazer em datas específicas e um trabalho educativo que dure o ano todo com os estudantes, as famílias, os trabalhadores, os idosos, os recém-habilitados, enfim, com todos os segmentos da sociedade. 

Ações pontuais não mobilizam, muitas vezes só distraem, são planejadas para curto período de tempo e não têm indicadores que permitam uma avaliação de resultados para saber se a população foi responsiva e tornará as práticas mais seguras no trânsito.

Esperamos não ter que esperar até setembro para tentar chamar a atenção da população e dos gestores acerca do trânsito nosso de cada dia e os comportamentos que precisam ser mudados. 

Márcia Pontes/Colunista

Márcia Pontes é escritora, colunista e digital influencer no segmento de formação de condutores, com três livros publicados. Graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul, especialista em Direito de Trânsito pela Escola Superior Verbo Jurídico, especialista em Planejamento e Gestão do Trânsito pela Unicesumar. Consultora em projetos de segurança no trânsito e professora de condutas preventivas no trânsito. Vencedora do Prêmio Denatran 2013 na categoria Cidadania e vencedora do Prêmio Fenabrave 2016 em duas categorias.

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