Muitos Carnavais e festas concorridas passaram pelos salões do Clube Doze em Florianópolis

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Se algum saudosista ou sócio remido ainda sonhava com a reedição dos antigos bailes e shows na sede central do Clube Doze de Agosto, em Florianópolis, que mexiam com a cidade inteira e provocavam frisson na alta sociedade, pode mudar de planos.

Clube Doze

Por mais de um século, a sociedade de Florianópolis disputou um espaço no tradicional Doze de Agosto – Foto: Leo Munhoz/ND

Como todas as agremiações do gênero, as mudanças de hábitos e as novas demandas das famílias enfraqueceram os clubes sociais, que precisaram mudar o foco e oferecer serviços em vez de apenas entretenimento.

No caso do Doze, após 151 anos de gloriosa trajetória, o ciclo chegou oficialmente ao final esta semana com a assinatura de um contrato que dá à Prefeitura de Florianópolis o direito de usar parte das instalações como um centro de convivência de crianças e idosos.

Se, de um lado, a sensação dos diretores era de alívio, porque uma intervenção no prédio seria muito onerosa, por outro a semana foi de rememorações dos grandes momentos do clube mais tradicional da cidade. Dos quase 8.000 sócios que chegou a ter, restam 603, sendo que 80 deles não são patrimoniais, ou seja, não têm direito de votar e ser votados.

A maioria dos associados restantes tem título do clube há quatro ou cinco décadas e ainda lembra dos bailes de debutantes (Baile Branco), dos eventos sociais e do célebre Baile Municipal, que abria o reinado de Momo em Florianópolis na sexta-feira de Carnaval.

Eleita na terça-feira (16) como primeira mulher a presidir o clube, a funcionária pública federal aposentada Eunice da Silva Aguiar dos Santos foi uma das assíduas frequentadoras dos bailes de Carnaval do Doze de Agosto.

A funcionária pública federal aposentada Eunice da Silva Aguiar dos Santos foi uma das assíduas frequentadoras dos bailes de Carnaval do Doze de Agosto – Foto: Leo Munhoz/ND

Aos quatro anos já ia com o pai para o clube e, mesmo tendo se afastado por algum tempo, retornou para acompanhar o filho jogando futsal e competindo, e teve o privilégio de participar do baile derradeiro, em 2012, que comemorou os 140 anos do Doze e foi abrilhantado pela banda Golden Boys.

Vida pregressa

“Havia filas enormes para garantir os ingressos”, conta ela. Todos queriam ver os desfiles e o concurso de fantasias no Baile Municipal, comandado pelo jornalista Lázaro Bartolomeu e que tinha a participação de passistas das escolas de samba vencedoras do Carnaval do Rio de Janeiro.

Outra sócia de longa data, a assistente social aposentada Mayra Wolff Discher foi debutante no Clube Doze de Agosto e, além da programação carnavalesca, viu ali shows de Toquinho, Alcione, Emílio Santiago, Fagner e Ray Conniff.

“Meu pai veio de Lages e demorou mais de um ano para ser aceito no clube”, conta ela.

O rigor para a admissão era grande — exigia-se uma carta de apresentação e havia uma análise da vida pregressa do candidato. A formatura de Mayra foi realizada no Doze, e ela continuou como sócia mesmo quando os eventos musicais foram levados para a sede de praia, em Jurerê, onde acampa até hoje e teve a oportunidade de assistir Elba Ramalho, Olodum, Ivete Sangalo e a banda Blitz.

Da rua Augusta para a Hercílio Luz

No dia 12 de agosto de 1872, um grupo de 14 jovens da antiga cidade do Desterro se reuniu na rua Augusta (atual João Pinto) para fundar um clube recreativo que permitisse à sociedade da época partilhar momentos de cultura e lazer.

Foi nessa mesma rua que a primeira sede foi instalada, ali permanecendo durante 92 anos. Em 1940, o clube conseguiu comprar um terreno na avenida Hercílio Luz, e com a doação de um lote ao lado pelo então governador Aderbal Ramos da Silva, benemérito do Doze, foi possível começar a construção da sede atual, em 1957. As obras foram concluídas em 1964.

Em 1940, o clube conseguiu comprar um terreno na avenida Hercílio Luz, e com a doação de um lote ao lado pelo então governador Aderbal Ramos da Silva – Foto: Arquivo Clube Doze/divulgação/ND

Os bailes de Carnaval, que já eram um sucesso, ganharam força com blocos como o Trem Azul e Os Acanhados e com a consolidação do Municipal, transmitido ao vivo pela antiga TV Cultura a partir da década de 1970. Os bailes de debutantes também foram marcantes porque permitiam que as meninas-moças fossem apresentadas à sociedade nos salões do clube, para orgulho das famílias contempladas com esse privilégio.

Foi igualmente marcante a fusão do Coqueiros Praia Clube com o Doze de Agosto, que resultou em investimentos no lazer e nos esportes, num complexo referência na região e treina equipes para competições em diversas modalidades. A sede de Jurerê, adquirida em 1974, tem uma área de 340 mil metros quadrados e oferece espaço para camping com barracas, trailers e motor-homes, salões com churrasqueiras e restaurante. Ali, estão locadas as áreas do P12, boate Milk, pavilhão e quadras de tênis e beach tennis.

Da luta abolicionista às reuniões de grupos políticos

Ouvir associados e frequentadores tradicionais do Clube Doze de Agosto é mergulhar num tempo em que a elite florianopolitana fazia questão de demonstrar sua condição mantendo títulos de uma ou mais agremiações sociais.

Não havia internet e condomínios com piscinas e ambiente para jogos. Os clubes eram onde se entrava de smoking (ou com fantasia, no Baile Municipal), onde as mocinhas debutavam após meses de preparação e expectativa e onde as mesas eram disputadas, porque havia milhares de sócios e poucas centenas de lugares em cada evento social importante.

Nos primeiros anos, debates acalorados e decisões políticas movimentaram o clube. No Doze de Agosto, há registros de que em 1884 o Clube Abolicionista reuniu seus membros na sede da rua João Pinto para reforçar a luta pela libertação dos escravizados. Como tudo na cidade, dois partidos — o PSD (Partido Social Democrático) e a UDN (União Democrática Nacional) — mantinham vínculos com emissoras de rádio, jornais, equipes de remo e futebol — e clubes sociais. O Doze era o quartel-general do PSD de Aderbal Ramos da Silva, enquanto o Lira Tênis Clube abrigava os próceres da UDN de Irineu Bornhausen.

O servidor federal aposentado Eduardo Simone Neto ressalta esse caráter provinciano da antiga cidade e recorda que em 1972, no baile de centenário do clube, a limitação a 100 no número de debutantes criou uma disputa ferrenha na cidade.

“Mesmo assim, o clube encheu, porque vieram os familiares e não havia espaço para mais nada”, afirma.

Ele cita como referência o ex-presidente Márcio Collaço, que criou a Ginca12, gincana que “parava Florianópolis”, e construiu a sede de Jurerê, considerado um ato temerário, à época, pela distância do Centro e pelas precárias condições de acesso. “Ela foi um visionário”, afirma Simone Neto.

Para o associado, a alta do custo de vida nas últimas décadas derrubou os clubes sociais. “Muitas famílias tiveram de escolher entre pagar o clube ou a escola dos filhos”, acredita.

Por isso, as agremiações foram transformadas em clubes de serviço, com academia, sauna e atividades esportivas. Hoje, há os sócios comunitários, que não adquirem o título, mas pagam mensalidade para terem direito ao que os clubes oferecem, com subsídios. Atualmente, a mensalidade do Clube Doze é de R$ 346.

Para o ex-presidente Henrique Jacintho de Oliveira, que deixou o cargo esta semana, a queda dos clubes sociais se deveu à transformação da cidade. No caso de Florianópolis, dominada por servidores públicos bem remunerados, a privatização de empresas estatais reduziu os empregos e a renda de muitas famílias, impactando os clubes, indiretamente.

Eventos para atrair público e sócios no Clube

Outro associado de longa data é o médico ortopedista e professor universitário Ari Digiácomo Ocampo Moré, que já frequentava o clube na infância, ao lado dos pais, e relembra dos bailes comandados pelos colunistas Lázaro Bartolomeu e Zury Machado e dos desfiles dos carnavalescos Dico, Duduco e Clóvis Bornay — este, vindo do Rio para o concurso de fantasias do Carnaval local.

Ele também recorda do “enterro dos ossos” na Quarta-feira de Cinzas, quando os foliões dos clubes Doze de Agosto e Lira se encontravam na figueira da praça XV de Novembro, às 8h, e viviam os momentos finais do Carnaval ao som de “o dia já vem raiando, meu bem, eu tenho que ir embora”.

A presidente Eunice da Silva Aguiar dos Santos diz que o Doze “tem uma energia diferente” e que “corre nas nossas veias o carinho pelo clube”. Ela quer trazer de volta associados que saíram, apostando na segurança que os clubes oferecem. Diz que sofreu muito vendo a deterioração que o Doze enfrentou nas últimas décadas e encara o novo desafio com a certeza de que, aos poucos, será possível recuperar parte da pujança do passado. Para isso, quer manter os eventos atuais e criar outros, que atraiam público e mais sócios.

Ela informa que as obras de arte do acervo — de nomes como Eli Heil, Meyer Filho, Pléticos, Hassis, Martinho e Rodrigo de Haro — vão ser transferidas para guarda temporária da Fundação Hassis, até que o prédio tenha condições de recebê-las de volta.

O ex-presidente Henrique de Oliveira diz que deixa o clube saneado, com as dívidas pagas ou renegociadas e o corpo de funcionários intacto, mesmo com as perdas de receita provocadas pela pandemia de Covid-19.

A impossibilidade de criar uma rampa de acesso, por medida de segurança (exigência da polícia após a tragédia na boate Kiss, em janeiro de 2013), foi uma das razões que levaram o clube a desistir de fazer uma intervenção de monta para manter o prédio voltado para eventos sociais.

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